O Jornal Nova Verdade continua a acompanhar a forma como os diferentes setores de atividade estão a combater os efeitos da pandemia. Nesta reportagem ficamos a conhecer um exemplo de como o meio artístico está a lidar com a nova realidade.
Quem gosta de festas populares e frequenta as da região de Alenquer e arredores de certeza que já ouviu falar no nome de Quim Botas. A música há muito que é uma extensão da vida do artista e não havia um fim de semana em que não houvesse um palco para pisar e uma festa para animar.
Quim Botas vive a música como um passatempo, um complemento à sua vida profissional, e assume que, mais do que a questão financeira, são as saudades que mais o têm marcado. “Sinto-me afetado por não poder fazer uma das coisas que mais gosto. O facto de não conseguir cantar, tocar e fazer espetáculos deixa-me bastante triste”.
As atuações são feitas em dueto, com Cátia, a esposa. Foi com ela que Quim tentou adaptar-se à nova realidade dos diretos na internet, mas confessa que não é a mesma coisa. “Montei um mini estúdio em casa e é lá que canto e toco algumas vezes. Logo a seguir ao primeiro confinamento, ainda fiz alguns diretos. Tivemos alguns problemas e não nos adaptámos muito bem. Sentíamos a falta do calor humano e tínhamos dificuldades em perceber se estava tudo a correr bem do outro lado, não foi nada fácil para nós estarmos a atuar e não vermos o nosso público”.
Para quem gosta de construir uma ligação forte com o público, as versões online não conseguem corresponder, como Quim Botas nos explica: “Nos nossos concertos, eu e a Cátia interagimos muito com as pessoas, é uma das nossas caraterísticas, quase tão importante como cantar ou tocar, a meu ver. Ainda pensámos fazer um concerto na noite de passagem de ano, um pequeno direto e montámos todo o equipamento, mas não tivemos coragem e desistimos da ideia”, confessa o artista, entre sorrisos resultantes de uma experiência que não correu como esperado. “Fizemos um direto passado uns dias mas não correu muito bem. Já não nos lembrávamos bem das letras… Mas no final até foi engraçado (risos), quando fazemos as coisas com amor e humildade ninguém leva a mal”. Os últimos tempos têm servido para tentar alargar horizontes: “Temos estado a cantar algumas músicas novas e fora da nossa zona de conforto, que não cantávamos nos nossos espetáculos e concertos”.
“Temos de aceitar as medidas”
As restrições impostas pelo combate à pandemia cancelaram os espetáculos e as festas populares. Medidas que Quim Botas não só aceita, como faz questão de defender. “Estamos a falar de saúde pública, não sou um manifestante negativo em relação a essa situação. A culpa não é de ninguém, é de um vírus chamado Covid-19, que caiu sobre nós e temos de nos reinventar”.
No ativo há mais de três décadas, os fins de semana deixaram de ser de azáfama constante, de montagem e desmontagem de material, e deram lugar a dias de descanso. “São praticamente 34 anos, estou a aproveitar para descansar, o que não pude fazer até agora, principalmente aos fins de semana, sem nenhuma interrupção. Esses dois dias era quando trabalhava ainda mais. Agora servem para descansar, com a esperança de que tudo volte ao normal o mais rápido possível, para voltarmos a cantar e a estar com o nosso público”.
O bacalhau com natas de Cheganças
Tocar nas festas populares serve para reforçar o orçamento familiar, mas acima de tudo é uma fonte de amizade e carinho. Quim Botas revelou na conversa com o nosso jornal que ainda há poucos dias comentou com a esposa, Cátia, que já sente saudades de algumas iguarias. “Não era só o público que nos acarinhava, eram as próprias associações, que nos acolhiam muito bem. Comentava com a Cátia que se está a aproximar o Carnaval e, como nós tínhamos aqueles sítios específicos para ir, já era uma espécie de tradição, como nas Quintas e em Cheganças, por exemplo. E lembrei-me que em Cheganças faziam quase sempre um bacalhau com natas maravilhoso, são esses miminhos que recordamos com carinho”.
Para quem anda na estrada a animar festas populares, a ligação com quem organiza esses eventos acaba por tornar-se, após tantos anos, numa relação de amizade e até de admiração. “As pessoas que estão envolvidas no associativismo são muito importantes, às vezes são desprezadas pelo povo, mas lutam e são fundamentais e resilientes pela sua associação, e temos muitas saudades disso e de quem nos recebia”, confessa Quim Botas, que lamenta que algumas dessas pessoas tenham acabado por partir, vítimas da pandemia: “Sinto saudades e, sobretudo, muita tristeza desde o primeiro dia pelas pessoas que estão a morrer, essa é que é a minha grande tristeza”.
“Tenho colegas a passar por dificuldades”
Quim Botas tem a sua vida profissional organizada, tal como Cátia, a esposa que o acompanha no palco. Anda assim, não conseguem esquecer quem partilha esta vida de forma mais ativa e que dependia da música para sobreviver. “A maioria dos meus colegas e amigos músicos só vivem disto. Apesar de não serem conhecidos, o seu sustento é a música e de repente ficaram sem nada e tiveram de se reinventar. O meu amigo Carlos, da Ganda Banda investiu tanto e agora está completamente parado. Claro que tudo isso revolta, e percebo que hajam pessoas que sejam mais contra, que não concordem com as medidas, mas realmente tem de haver um equilíbrio”.
Depois de tantos meses parado, Quim Botas espera que a vacina traga uma nova luz também ao mundo dos espetáculos e das festas populares. “Tenho boas expectativas claro. Penso que no Verão já vamos ter boas novidades, tenho esperança que aos poucos vamos voltar a mexer. Lá está, o mundo vai ter de se adaptar e vão haver mais vacinas. Acho que rapidamente isso vai acontecer e no Verão vamos começar aos poucos, por exemplo com aqueles concertos mais pequenos e com todas as medidas de segurança. Esse tipo de situações penso que podem voltar com regularidade, no meu caso e no meu meio das festas populares já vai ser um pouco mais complicado, porque não são sítios tão controlados, mas no geral tenho muita esperança que isso possa acontecer”.