O Jornal Nova Verdade continua a acompanhar a forma como os diferentes setores de atividade estão a combater os efeitos da pandemia. Nesta entrevista ficamos a conhecer um exemplo de como o meio artístico está a lidar com a nova realidade.
Jornal Nova Verdade: Como é que alguém que foi obrigado a estar fora dos palcos tanto tempo recebe a notícia de que vai voltar a ter de parar?
Simão Biernat: Com desagrado, claro. Não é uma notícia surpreendente, até porque a situação já fazia antever que tal acontecesse, o maior problema é viver nesta constante incerteza do que será o futuro.
Como é que o teatro vive fora dos palcos?
É uma situação muito complicada, a MyheARTheatre, a minha companhia, foi obrigada a cancelar todos os seus espetáculos escolares para o ano letivo 2019/2020. Foram mais de cem espetáculos que a companhia foi obrigada a cancelar, sem nenhuma garantia futura. Este ano letivo nenhuma escola se mostrou interessada em receber-nos, por receio da pandemia e do custo acrescido que isso acarreta.
Felizmente tive a oportunidade de percorrer o país de norte a sul e reparei que são poucas as escolas que possuem espaços capazes de acolher companhias de teatro. A MyheARTheatre foi criada e pensada nesse sentido, criar uma companhia que pudesse realizar espetáculos em qualquer lugar. Ora, muitas escolas têm salas com capacidade para apenas 80 alunos, se reduzirmos para metade, segundo as regras da DGS, restam apenas 40 alunos. Os custos que a companhia tem para as suas apresentações são os mesmos, o que torna o projeto inviável tanto para a escola, como para a própria companhia.
Em 2020 colocámos a possibilidade de fazermos os nossos espetáculos online, isso iria requerer da nossa parte um investimento em material, tal como som, luzes e câmaras. Não foi por ser um investimento avultado que decidirmos não seguir esse rumo, foi pela própria mentalidade que as nossas comunidades escolares têm. Seguimos exemplos de outras companhias, quer portuguesas, quer estrangeiras, e todas elas se queixaram de ter feito um grande investimento, mas que não estavam a ter retorno precisamente porque as pessoas não queriam gastar dinheiro via online.
Durante o primeiro confinamento, em março de 2020, foram muitos os teatros que disponibilizaram os seus espetáculos online, mas até gratuitamente eram poucas as pessoas que os viam do início ao fim. Prova disso são as redes sociais, as pessoas vêm no máximo trinta a sessenta segundos de um vídeo. É fácil dizerem para nos adaptarmos, que devemos criar conteúdos digitais, mas se o público não os quer consumir e acima de tudo não os quer comprar, de nada serve.
Como é que a cultura sobrevive ao confinamento?
Falar de cultura é vago. Mas todas as atividades culturais que eram feitas presencialmente não sobrevivem. Nada se compara entre ver um espetáculo ao vivo e vê-lo através do nosso ecrã. Se fosse vantajoso, todos os artistas gravavam cd’s ou dvd’s. O youtube é o que é porque é uma plataforma gratuita.
Como é que se mantêm os artistas motivados?
Falo por mim, a minha motivação não acaba. Eu gosto e quero trabalhar, mas estou impedido de fazê-lo.
A pandemia trouxe espaço para que o setor da cultura se reinventasse?
Sim, claro que foram muitas as companhias que criaram conteúdos específicos por causa da pandemia, mas a cultura por si só não sobrevive via online.
Aproveitou a pandemia para criar um novo projeto? Ficou a conhecer algum projeto (ou iniciativa) que tenha sido criado durante este tempo que vivemos e que o tenha inspirado?
Em 2020, a MyheARTheatre criou, em parceria com o Ministério da Cultura e o apoio do Munícipio de Alenquer, o espectáculo O Principezinho em Teatro Negro. Foi o primeiro formato que criámos para Teatros e Auditórios, sendo também o primeiro espetáculo da companhia em português e com uso de bonecos/marionetas e da técnica de Teatro Negro, raramente usada em Portugal. Foi um espectáculo gratuito, mas que apesar de todas sessões terem esgotado rapidamente, teve apenas 30 por cento do público que, devido à pandemia, reservou mas acabou poe não aparecer.
Como é que está a aproveitar este momento em termos profissionais?
Em Janeiro deste ano a AlenPalco começou a preparar o seu próximo espectáculo, com o apoio do Município de Alenquer, para estrear em Março. Seria um espectáculo diferente, ao ar livre, na Quinta Solar de Pancas, para incentivar as pessoas a saírem de casa e a irem ao Teatro. Tentámos novamente inovar não só pela localização mas também pelo espectáculo em si, que iria englobar teatro, música e dança. Já estávamos na segunda semana de ensaios quando recebemos a notícia do confinamento obrigatório. É verdade que segundo as regras da DGS poderíamos continuar a ensaiar, mas será que em Março a população de Alenquer quer ir ver teatro? Em termos pessoais, voltei a pegar nos meus sapatos de sapateado.
Como é que se pode ajudar a cultura neste momento?
Criando um sindicato que defenda o que é ser actor e dando apoios financeiros às companhias de teatro para a criação de programas culturais.
Tendo por base uma perspetiva a longo prazo, que consequências é que acredita que estes meses de paragem vão trazer para o setor da cultura?
Veremos quantas companhias que não são subsidiadas estarão cá.
Gostaria de deixar alguma mensagem?
O que estamos a viver é global, mas o que me entristece é a capacidade de resposta que outros países têm e que o nosso não tem. Dou como exemplo Inglaterra, tenho colegas, amigos que por lá andam, e todos me dizem que não trabalham desde março de 2020, mas que o estado os continua a apoiar mensalmente. Se eu não posso trabalhar, se o meu trabalho é uma luta diária para formação de públicos, de inovação, de criação, porque é que sou excluído de um sistema que ajudo culturalmente e financeiramente?