Depois de um ano em que as dificuldades para os negócios locais foram mais do que evidentes, fomos à procura de exemplos de quem não se deixou vencer e decidiu arriscar. Exemplos de pequenos empresários que foram tudo menos pequenos na hora de lutar contra os efeitos da pandemia.
Antes de ouvirmos falar em Covid-19, Vera geria duas lojas de roupa, uma na Merceana e outra no Cadaval, Sandra abria todos os dias a porta de uma loja de decoração no centro de Alenquer e David partilhava com o irmão o sonho de abrir um restaurante. Agora, quase um ano após a chegada da pandemia, os três têm em comum o facto de terem apostado, de diferentes formas, e de fazerem um balanço positivo do passo que deram em temos tão complicados.
Os primeiros tempos não foram fáceis. As dúvidas eram muitas, a indefinição em torno do que a Covid-19 iria trazer era enorme. Com a porta fechada, Vera Romão Francisco começou imediatamente a pensar no que poderia fazer para não ficar parada. “As lojas estiveram fechadas durante um mês e meio. Durante esse tempo que estive em casa comecei a frequentar uma formação online, que ainda hoje estou a fazer, para conseguir gerir melhor as redes sociais. Já trabalhava muito nas redes sociais, mas durante o confinamento tive mais tempo para pensar e refletir mais sobre esta ferramenta”. Já depois da autorização para a reabertura das lojas, Vera lembra os receios que teve na altura, porque “no início a minha dúvida era saber se as pessoas viriam ou não à loja”. E as coisas até nem estavam a correr tão mal como poderiam fazer pensar os maiores receios, mas um caso de Covid-19 na família obrigou a empresária a voltar a casa. “Vim trabalhar durante quinze dias, mas fui novamente para casa por mais 15 dias porque tive esse caso positivo na família. E esses dias em que estive em casa deram-me ainda mais força para regressar”.
No centro de Alenquer, Sandra Aguiar também se viu forçada a fechar a porta da sua loja de decorações. “Fechámos durante cerca de duas semanas e não víamos o fim à vista, não sabíamos o que ia acontecer”. Então, se a porta tinha de estar fechada, era tempo de abrir as gavetas e procurar um projeto antigo. “Era algo que eu já tinha em mente há muito tempo. Mas em outras alturas nunca podíamos fechar, porque porta fechada não vende, e, por isso, aproveitámos o facto de não podermos ter a porta aberta para metermos mãos à obra”.
Desde há muito tempo que David Cunha e o irmão alimentavam a ideia de abrir um restaurante em nome próprio. O projeto estava pensado para o início do ano e existia essa vontade, mas a pandemia ameaçava colocar em causa tudo o que os dois irmãos tinham planeado. “Era algo coisa que queríamos há muito tempo e pretendíamos abrir no início do ano, mas com tudo isto não foi possível”.
A resposta às dificuldades
Está apresentado o cenário com que estes empresários se depararam quando a pandemia entrou em Portugal e os obrigou a alterar os planos. Vera investia nos conhecimentos sobre redes sociais, Sandra tirava da gaveta um projeto há muito adiado e David analisava com o irmão qual a melhor altura para dar asas ao sonho do restaurante.
Vera assume que até nem concordava muito a questão dos diretos que várias lojas de roupa já faziam a antes da pandemia, mas a nova realidade levou-a a mudar de ideias. “Quando regressei ao trabalho fiz um primeiro direto. Já tinha feito alguns, mas aquele achei que tinha mesmo de fazer porque era preciso dar a saber aos meus clientes o porquê de ter fechado a loja durante aqueles dias. Penso que foi uma coisa que tocou no coração das pessoas e os clientes perceberam isso”.
Passar de trás do balcão para os ecrãs dos clientes foi algo a que teve de se habituar. “Tive um grande apoio das pessoas… Eu tinha vergonha de fazer os diretos, porque o facto de estar ali a expôr-me para o mundo, sem ninguém à minha frente, intimida. Mas as pessoas apoiaram-me e começou a resultar”. O resultado é medido pela resposta dos clientes, porque ver mais tarde uma gravação está fora de questão: “não consigo ver nenhum direto meu, não porque ache que tenha feito alguma coisa mal, mas porque não gosto de me ouvir, penso que é normal. Aquilo que retenho dos diretos é que estou a fazer um bom trabalho. Eu própria, se achasse que estava a fazer um mau trabalho, não continuava. Mas tenho um bom feedback por parte dos clientes. As pessoas já estão à espera da quarta feira para verem os diretos”.
Da Merceana passamos para o Centro de Alenquer. Sandra foi à gaveta buscar o projeto de pintar a loja de decoração. A tarefa não sera fácil, porque “trata-se de uma loja grande, com 170 metros quadrados, e, por isso, dá muito trabalho retirar tudo o que aqui está. Estamos a falar de decoração, de coisas pequenas. Fiz a pintura da loja e também dos móveis”.
Mais uma vez, à semelhança do que aconteceu no caso de Vera e das lojas de roupa, os resultados saltaram à vista e, neste caso, literalmente. “Ajudou muito, esta loja já estava com a mesma pintura há mais ou menos 10 anos. Era uma pintura muito clássica, com muita cor, o que ao fim de um certo tempo cansa. Então investimos em tons mais brancos. O branco dá luz, parece que a casa tem mais espaço. Publiquei no Facebook que andava a remodelar a loja e as pessoas ficaram logo com muita curiosidade de ver o que se estava a passar. Até porque eu tapei as montras, para ser mesmo novidade. Claro que muita gente pensou que ia fechar, mas quis mesmo criar essa dúvida. Porque a dúvida traz curiosidade e faz com que as pessoas queiram saber mais. Quando conseguimos abrir, a abertura das pessoas foi fantástica”.
Enquanto Vera procurava soluções para investir nas redes sociais e Sandra aproveitava para dar mais luz à loja com uma nova pintura, David e o irmão decidiam arriscar na abertura do restaurante. “Abrimos em Março, mas depois também apareceu a Covid-19. Foi com muito esforço que estivemos aquele tempo todo fechados, mas deu para prepararmos as coisas, vermos preços, etc.”.
Valeu a pena correr riscos
Enquanto muitos empresários ficaram sem saber que passos dar, os exemplos que o Nova Verdade foi investigar decidiram arriscar. E o balanço é comum aos três: francamente positivo.
Vera viu o negócio ganhar outra dimensão com a inovação dos diretos. “Comecei a fazer diretos onde vendia as peças na hora. Achei que também era necessário existir um destaque e pensei que enquadrar um desfile num direto poderia ser engraçado, até para quebrar a rotina e para as pessoas se entreterem com um serão diferente, enquanto fazia publicidade às peças. Tentei sempre ser criativa. E consegui abranger um público muito grande”. Vera nunca foi pessoa de estar parada e agora, numa altura em que já se pensa no regresso à normalidade, quisemos saber se já sabe o que vai fazer no futuro. “Se vou continuar quando as coisas melhorarem? Há alguns meses que temos vivido um dia de cada vês e acho que tem de continuar a ser assim. Vamos ver no que dá, não sei se vou continuar ou se vou parar. O que sei é que através destes diretos noto que a Mundicores anda por aí. Noto que todos os dias há interações, com todos os diretos. Mas vamos lá ver o que o futuro nos reserva”.
Os tempos de pandemia vão deixar marca na vida de Sandra Aguiar, mas também nas paredes, agora mais claras, da sua loja de decoração. E também neste caso os clientes responderam positivamente. “Eu vinha com a expectativa um bocadinho baixa, uma vez que estávamos a trabalhar de olhos fechados, não sabíamos o que aí vinha. Tinha passado pouco mais de um mês e, praticamente, ainda ninguém sabia o que se estava a passar. Pensei que as pessoas tivessem medo de vir, mas não foi isso que aconteceu, as pessoas estavam desejosas de poderem vir comprar.” Sandra Aguiar confirmou uma ideia antiga sobre a importância do comércio local: “Acaba por ser mais seguro e isso fez com que as pessoas começassem a ir às lojas e à minha em particular. E isso foi muito importante até porque, inicialmente, os grandes espaços também estavam fechados”.
A nossa viagem por exemplos positivos de luta contra os tempos conturbados por parte de comerciantes locais termina em Cheganças. Enquanto uns lutavam para não fechar, David e o irmão tinham cumprido o sonho de abrir a porta de um restaurante em nome próprio. “E não estamos nada arrependidos da decisão que tomámos. Custou, e ainda está a custar um pouco, mas de dia para dia tem vindo a melhorar. Eu já tinha experiência nesta área, já desde os 15 anos que trabalho neste setor e daí o bichinho de querer abrir um restaurante nosso. Tem corrido tudo dentro das expectativas. Claro que se vivêssemos um tempo normal, as coisas estariam a ser diferentes, mas não estamos nada arrependidos”.
Com as restrições próprias da restauração, o serviço de take-away foi a solução encontrada por muitos e este caso não foi exceção. “Já era algo que nós queríamos implementar no negócio. Quando abrimos, além do nosso conceito, também já tínhamos implementado o take-away. Havia muitos restaurantes que não incorporavam este conceito no negócio, mas é positivo. Até é uma forma de dar a conhecer um pouco mais os restaurantes”.
Roupa, decoração, restauração. Merceana e Cadaval, Alenquer e Cheganças. Três áreas de negócio completamente diferentes. Em comum o facto de quem gere estes estabelecimentos ter olhado de frente para as dificuldades e decidido ir a jogo com as armas quem tinha ao dispor. Vera, Sandra e David continuam a lutar para dar vida aos seus sonhos numa altura em que a pandemia acabou com expetativas de tantos e tantos empresários. A vontade de fazer e o saber lidar com os receios foram determinantes. E esperemos que assim continue.